sábado, 18 de abril de 2009

Profana e o Anjo...


Rodou, rodou... anjo branco alado... asas a planar... luz tanta luz...
A música...
A música...
Pousou, ali... pegou-lhe na mão, negro no branco cálido e pálido de seus dedos gloriosos...

Singelo, enfrentou-lhe o olhar reprovador carregado de altivez e quase de repúdia, puxou-a contra si e ao som de uma música celestial fê-la dançar em seus braços em rodopios que traçaram cores, brilhos, sabores...

Profana, sem acção deixou-se comandar naquele tango de vida... juro quase lhe ter notado um esboço de sorriso ou medo...

Longos foram os dias e noites... abandonado o seu trono... em Reino de Sacrilégio não se ditaram sentenças, nao se torturaram vontades, não se ouviram uivos de horror nem choraram lágrimas de solidão...

Levou-a consigo, mostrou-lhe o mundo de oposição ao seu... ensinou-a a sorrir, a amar... despiu-a de suas vestes de morte, abraçou-lhe o corpo nu retirou as suas asas e como homem e mulher entregaram-se...

Que visão tão nobre aquela... Deusa do mal e Anjo... em panos brancos... deitados seus corpos tocando-se aqui e ali, repousavam embevecidos de amor...

MALDITA!!!

Acordou em sobressalto, o seu Anjo dormia... aquela voz... MALDITA!!! Gritava-lhe... Profana baixou a cabeça e duas lágrimas cairam ... tinha vendido a sua alma à besta do mal, jurado prestar vassalagem eterna em troca de nunca mais sentir o amargo dissabor de uma desilusão de amor... levantou-se vestiu o seu vestido vermelho de Rainha negra e partiu para o seu Reino...

O Anjo acordou só... e ao ver que Profana partira, voou em seu alcance... Quando chegou... deparou-se com um pérfido cenário, sentada no seu trono Profana deixava-se tocar por homens sem alma, que lhe puxavam as roupas a apertavam... Profana de olhar fixo no Anjo, soltou um gargalhar que ecoou ...

"Heis-te aqui Anjo, este é o meu mundo esta sou eu coberta de defeitos e de orgulho em meus terriveis feitos, não me tentes demover... será inutil!!"

O Anjo ficou, e por amor queimou suas asas, entregando-se ao caminho do mal...Durante uma eternidade submeteu-se aos seus caprichos, humilhado, ignorava a sua dor e todos os dias tentava resgatar a mulher por de trás da Deusa... em vão... um ultimo dia, dirigiu-se a Profana, prostrou-se diante dela e enquanto arrancava o coração com as suas mãos proferiu..

"De nada me serve!!! "

Entregou-lhe o seu coração, e ficou a esperança no ar de que Profana comovida acordasse daquele sono de escuridão... Levantou-se do seu trono sem sinal de qualquer emoção lançou o seu Cepto sobre a oferenda, atirando-o para junto das horrendas criaturas que tinha por companhia que num ápice o devoraram...

O Anjo partiu... e porque amou tão profundamente quem não era digno de compaixão sequer, foram-lhe restituidas as asas e um novo coração sem lembranças de Profana.

Reza a história, que depois do anjo partir, Profana arrancou também o seu coração e o comeu... depois ordenou que construissem um poço com a profundidade de mil mares... onde se lançou ordenando que o tapassem para todo o sempre...

Há quem diga, que por cada vez que um coração se parte se estivermos com atenção, podemos ouvir ainda os gritos e lamentos de Profana...


Narrador


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Mulher


Saiam da frente!!!

Corro por entre a multidão, empurro, grito, não olho a quem, não vejo nada...

Bocas, olhos, braços, pernas, mãos que me tocam... Um Homem que chama ,outro que pede, uma mulher que chora, um beco que fede...

Passos, tantos passos... uns que vão, que vem, partem , ficam, altos, baixos...

Gotas que caiem, suor que escorre e o tempo morre... morre

Bate o coração, cravam-se as garras, grita-se a paixão, finge-se não ver mas carregam-se escaras...

Escaras de tempos mortos, escaras de encostos perdidos, de encontros mentidos de amores absurdos...

Aumento... a velocidade... gritam crianças, lamentam os velhos, bebe-se um copo,fecha-se a porta, abre-se a porta,sento, levanto, digo um olá, finjo nao estar,fumo um cigarro...

Apresso a passada, dobro a esquina, calco a calçada, no chão um cão, na janela o gato,tropeço em mim, aperto a sapato,continua a caminhada...entro no escuro,mesas,bancos, o balcão iluminado,o empregado sorri... um copo derrubado.

Danço um dança, duas três, o corpo cansa, o homem avança, a frase falada e eu tão cansada... tão cansada...

Entro no carro, saio do carro,sobe as escadas,abre-se a porta,fecha-se a porta,despe-se a roupa,calores,temores,suores,gemidos,alguns...sentidos,range a cama,abana a pressiana,parte a garrafa,saltam os musculos,prende-se a mão,o turbilhão,dispara o coração... e assim se finge que se ama...
Profana

Jean-François Amadieu

Jean-François Amadieu
Jean-François Amadieu é um sociólogo francês especialista em relações sociais de trabalho e físicos determinantes sociais da seleção. Ele é o diretor do Centro de discriminação, que realiza testes a fim de conseguir a primeira medição científica dos diversos contratação discriminação na França.

Viver na consequência...

Acordo todos os dias ,e ao olhar em redor apercebo-me que vivo na consequência...
De facto vivemos todos... na consequência de coisas maravilhosas que fizemos, de ideias brilhantes que tivemos, de negócios rentáveis que fizemos ou... simplesmente como eu... na consequência de todas as borradas que fizemos...
A raiva surge todos os dias... de mim mesma... da obstinada ideia de que tenho um potencial infindável... que apenas uso para me "enterrar" cada vez mais...
É preciso ser se mesmo besta...
(Incrível esbocei um sorriso enquanto escrevia "besta")
Pois é meus amigos mas a vida não se faz de lamentações... para isso existem os bloggs...

Ass: Profana

Os tugas primeiro!!!

Numa das inúmeras viagens de carro (quando ainda tinha carro... que não era meu mas bem...) pela manhã, ouvi a notícia da rápida ascensão de caixeira a autora de um best seller...
Uma mulher mundana que resolve passar para o papel as suas histórias tão verdadeiras e tão surreais de um dia a dia ao som de um bip constante da leitura de codigos de barras (fosse do papel higiénico ou de um produto de emgrecimento f'ácil)... apesar de ainda nao ter sido o lançamento do dito livro em portugal resolvi pesquisar.
Para minha felicidade descobri que um português de seu nome Manuel de Freitas já tinha escrito um livro (entre muitos) com alguns denominadores comuns com o primeiro... o supermercado, a mulher, e as histórias...
Se a autora do segundo livro terá tido um tórrido romance com Manuel Freitas e terá plagiado tardiamente a ideia não sabemos...
Ficam aqui alguns "pedaços" do original...

Profana

Isilda ou a nudez dos códigos de barras

Dizem que ressuscitou o rock numa pose de vampiro.
Não sei. Pelas olheiras, sobre o cabedal tão velho, mais parece um agarrado,desses que costumo encontrar no 42.
Mau hálito tem- quase tanto como a voz. Mas leva sempre suminhos, crentes de beleza, fiambre.Dá-me a ideia que nele até o olhar cansado é uma mentira cosmética,que depois usa em voz alta contra o tal"sistema".
Eu talvez gritasse melhor.

Estou a ver o estilo:a folha de canabis ao peito, os óculos de Foucault não-li e uma devoção macrobiótica tão estúpida quanto inquebrantável.
Esta gente custa- e o que é pior:cheira mal.
Assoa-se à mangada camisola, cheio de ideologia nos sovacos. E vem fazer compras como se estivesse outra vez no Lux,entre amigos abstémios que só não legalizam a vida porque ainda há limites para o meu gosto.


Conheço-lhe a tromba da televisão,com a barba rude, intelectual, tão preta- mas a dela também, loura e desfocada. Acho que é dos jornais.São esquisitos, nunca falam(entre eles, ou comigo).Não me agrada assim tanto dizer "boa tarde" a Deus, enquanto vou passando vinhos caros, gine produtos bizarros cuja serventia desconheço. Se a esquerda é isto,bem posso ir esperando subsídios,aumentos, um funeral mais em conta.


É o que se chama um "higiénico": latas,comida feita e embalada, whisky,cerveja ou vinho (quando não os três).
Deve beber-lhe bem e mudar pelo menos duas vezes por semana a areia do gato.
É tímido, inseguro e- por isso mesmo-extremamente rápido a arrumar as compras.Vai pagar outra vez com cartão. Hoje parece mais triste, talvez por no seu íntimo saber já que vai escrever um poema sobre mim, mera ajudante de leiturados códigos fatais em que cada um se expõe.Mas para quê tantas palavras? Bastava-lheter dito que me chamo Isilda e que a vida que tenho não presta.
A dele,suponho, não será muito mais feliz.Escusava era de maçar a gente com o que sofre ou deixa de sofrer.

A minha sabedoria é muda, desumana:um dia enlouqueço ou fico para sempre presa a um pesadelo sentado, com barras transparentes.


Manuel de Freitas

Manuel de Freitas
Manuel de Freitas nasceu em 1972, no Vale de Santarém.
Vive desde 1990 em Lisboa, onde tem exercido as actividades de tradutor, crítico literário e editor. É co-director da revista Telhados de Vidro. Publicou, além de vários livros de poesia, ensaios sobre literatura portuguesa contemporânea e foi responsável, em 2002, pela organização da antologia Poetas sem Qualidades (Averno).
Em 2006 foi-lhe atribuído o Prémio Literário Ruy Belo da Câmara Municipal de Sintra.